março 23

Sobre Astrologia — da Teologia Moral de Sto. Afonso de Ligório

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Da Adivinhação (De Superstitione, Dubium II)

Nota do tradutor: Esta não é uma tradução integral do capítulo sobre adivinhação. Seu propósito inicial era servir como material para as aulas do Projeto Animus sobre astrologia; por isso, só foram traduzidos os parágrafos que considerei importantes para discutir esse assunto. Omiti na tradução as freqüentes referências bibliográficas que fundamentam as afirmações do santo. Também omiti do miolo do texto algumas observações técnicas sobre como confessar os pecados de superstição. O texto original se encontra aqui, e quem puder me informar sobre quaisquer erros de tradução nos faz a todos um favor.

1. Que é adivinhação? — 2. Há uma adivinhação com invocação explícita de demônios, e outra implícita. — 3. Adivinhação é sempre pecado mortal? — 4. Resolução de alguns casos específicos. — 5. Se é lícita a astrologia, e de que tipo.

1. Adivinhação é quando alguém invoca a assistência de demônios, implícita ou explicitamente, para conhecer coisas incertas e que se dão de forma livre, ou coisas de outro modo ocultas e naturalmente incognoscíveis. Se forem tais que só Deus as possa conhecer, implica-se idolatria, pois então se rende ao demônio um culto divino; se porém são tais que um demônio possa sabê-las naturalmente (pois pode ele conhecer tudo de mais oculto por sinais e outros meios, inclusive muitos pensamentos dos homens e coisas futuras), ainda assim é ilícita, pois se pratica a conversação com um inimigo jurado de Deus, o que representa certa traição e apostasia contra Deus, e talvez ainda um caso de superstição.

2. Há dois tipos de adivinhação. Na primeira há invocação ou pacto explícito com um demônio, e por nome genérico se chama necromancia: como quando o demônio informa coisas ocultas por meio de espíritos mediúnicos, possessos, ilusões, usando a aparência de pessoas mortas ou vivas, ou outros sinais no ar, na água, no fogo, em superfícies reflexivas. Outra adivinhação é aquela em que há apenas uma invocação ou pacto implícito (tacitus) ou interpretativo, como quando se procura saber algo pelas marcas do corpo, por sons, pelo canto das aves e coisas semelhantes, e o conhecimento que se procura não é adequado aos meios utilizados. (…)

A adivinhação por invocação explícita de demônios se chama oráculo, quando se faz por meio de ídolos; necromancia, no sentido técnico, quando se faz por meio da ressuscitação aparente de pessoas mortas — pois em sentido geral, “necromancia” abrange ainda outras espécies de adivinhação; oniromancia, se por sonhos; prestígio, se por visões artificiais; extispício, se por sinais nas entranhas dos bichos; hidromancia, se por uma figura na água; aeromancia, se no ar; piromancia, se no fogo.

Por invocação tácita se diz astrologia, quando é por meio da posição e movimento dos astros; auspício, quando é por sinais das aves; augúrio, por sinais de bichos; presságio, se por um acontecimento acidental, como dar com um funeral, etc.; sortilégio, quando se faz por sorte, como abrindo um livro ao acaso, ou jogando dados.

3. A adivinhação que se faz por ato explícito, e pela qual um demônio é invocado explicitamente, não pode ser escusada de pecado mortal; aquela, porém, que se faz apenas por ato implícito, alguns defendem que às vezes se escuse de mortal, como por exemplo, quando há dificuldades por falta de inteligência, ou por ignorância — se não for crassa, nem afetada — ou se não for dada uma fé segura, mas apenas certo temor ou suspeita do evento futuro, pois não haveria superstição, quando a intenção não fosse supersticiosa.

4. Pelo já dito se resolvem os seguintes casos:

Considera-se que invoca expressamente, ou tem conversação ou pacto com o demônio, aquele que invoca um demônio com palavras, ou quem, ao menos por ação, abusa de alguma coisa pela qual sabe ou pensa que obrará em conjunto com um demônio.

Por outro lado, entra em pacto tácito quem usa de meios vãos e naturalmente impróprios para conhecer ou realizar alguma coisa; e não é necessário que o demônio concorde, em algum momento, em participar da prática do mesmo meio vão; pois pelo simples fato de alguém fazer uso de tais vaidades, o demônio já nelas se mete, ainda que não seja intenção do praticante invocá-lo.

Não se escusa do pecado quem, usando de tais coisas, que são naturalmente impróprias ao fim desejado, protesta não ter nenhuma intenção de entrar em comércio com o demônio, pois por aquilo mesmo que está fazendo, já contradiz seu próprio protesto. Uma vez que nem Deus, nem os anjos bons se misturam a tais coisas, é a um demônio que invoca com elas.

Nem se escusa aquele que crê em tais meios por já tê-los visto funcionar no passado (propter experientias), pois o demônio providencia tais ocasiões para enredar aos poucos os homens e induzi-los a outros abusos semelhantes. (…)

Se alguém depende de tal forma dos astros, ou de sonhos e coisas semelhantes, que quer regular praticamente todas as suas ações e sua vida por elas, peca mortalmente. Porém, se por observar tais coisas comete de vez em quando alguma negligência que, de outra forma, não lhe causaria culpa mortal, considera-se pecado apenas venial. Fazer uso delas e temer, ocasionalmente, que aconteça ou seja verdade o que anunciam, é leve.

5. É lícita a fisiognomia que pelo rosto, disposição e constituição do corpo e dos membros — e a quiromancia que pelas linhas e partes das mãos — considera o temperamento do corpo, e ainda conjectura em termos probabilísticos as inclinações e afetos da mente. Assim também a adivinhação que a partir dos sonhos de um homem especula sobre sua compleição e, daí, sobre as afecções diurnas de sua mente. Do mesmo modo uma outra, pela qual julga-se dos sons, movimentos ou outras ações naturais de aves, peixes e outros bichos, que certos efeitos se seguirão como de costume, a saber, tempo sereno, chuva, etc. Lícita é a astrologia natural, que prediz efeitos corpóreos e naturais, como ventos, eclipses, fertilidade, salubridade, doenças e coisas semelhantes, conhecimentos úteis à medicina ou à agricultura; e inclusive quando pelo momento do nascimento (isto é, o horóscopo) prediz em termos probabilísticos a compleição do corpo e os afetos da mente. Estas adivinhações são todas naturais e usam de meios adequados.

Há uma outra astrologia natural que conjectura chuvas, tempestades, esterilidade da terra e coisas semelhantes; e esta não é ilícita, embora o mais das vezes seja inútil e duvidosa.

Outra ainda é a astrologia judiciária, que por sinais nos astros prediz coisas incertas do futuro, que dependem da vontade dos homens; e esta, se tratar de uma pessoa em particular, é ilícita — mesmo que não se façam as previsões como seguras, mas apenas de forma conjectural ou probabilística, como diz a constituição de Sixto V, Moderator Coeli, do ano de 1586, em que se condenam também aqueles que ousam ou protestam fazer afirmações sem dar certeza. Contudo, julgam-na lícita se for feita de forma genérica, como para prever guerras e sedições, etc.

Ainda há dúvida sobre a licitude da astrologia que prediz, pelo horóscopo e hora do nascimento, as inclinações e o temperamento de alguém? Deve-se fazer uma distinção: se as predições são dadas como certas, sem dúvida é ilícita, pois tudo isso é incerto. Julga-se porém ser pecado leve. E se prediz apenas como coisa provável, ou conjectural, é lícita.

São ainda ilícitas todas as adivinhações supramencionadas se por meio delas se pretende saber ou predizer coisas em relação às quais são impróprias, como efeitos contingentes e que dependem da liberdade, ou de Deus: como o estado da alma, os dons da Graça, riquezas, honrarias, sorte, casamento, o estado de vida e coisas semelhantes, cuja escolha é voluntária e depende da vontade livre dos homens; e assim também quanto às coisas ocultas, como furto, tesouro escondido, etc.

Predizer coisas futuras, incertas e livres, de forma meramente conjectural, por sinais de aves etc., não é ilícito, porque a conjuntura astral que pode mover homens à guerra também pode provocar os mesmos sinais nas aves.


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Adivinhação, Astrologia, Teologia Moral, Tradução


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